Laura
Curtis prepara a placenta de uma cliente antes de transformá-la em
cápsulas para serem ingeridas. (Foto: AP Photo/The Salt Lake Tribune,
Francisco Kjolseth)
A placentofagia - prática de guardar a placenta após o nascimento do
bebê para comê-la - não é um hábito hippie, um rito de passagem de
culturas primitivas nem um ritual de bruxaria assustador. Está
acontecendo no estado do Utah, nos Estados Unidos, e em outros locais do
país com frequência crescente.
É uma prática sem precedentes antropológicos, promovida por um grupo de
mães que acreditam piamente em seus benefícios para a saúde, apesar da
escassez de pesquisas sobre o assunto. O hábito tem promovido um novo
nicho profissional: o dos preparadores de placenta.
Os hospitais de Utah não têm uma estimativa precisa de quantas mães
pedem para ter as placentas empacotadas e colocadas no gelo, em vez de
descartá-las. O Hospital Universitário de Utah estima que entre 5% e 10%
das mães fazem esse pedido. Já o Intermountain Medical Center afirma
receber cerca de dois pedidos a cada mês.
"Mas parece que há uma tendência de aumento", diz Bernice Tenort,
gerente de enfermagem da ala de partos do Hospital Universitário.
Para muitos, pensar em canibalizar algo expelido de seu próprio corpo
desencadeia um reflexo de ânsia. A placenta contém material genético da
mãe, do pai e do bebê. Mas a prática 'pegou' principalmente entre
mulheres brancas, casadas, de classe média, com formação universitária, a
maioria das quais relatam experiências positivas de acordo com um
estudo recente na revista científica "Ecology of Food and Nutrition".
Também é popular entre mulheres que escolhem ter seus bebês em casa,
segundo o estudo.
Nutrientes
O órgão passa nutrientes essenciais da mãe para o bebê e contém ferro e
hormônios benéficos do pós-parto, como progesterona e ocitocina, por
isso supõe-se que ingeri-lo traga benefícios. Blogs sobre a maternidade e
sites que estimulam o parto em casa asseguram que a prática pode
diminuir o sangramento pós-parto, ajudar o útero a voltar a seu tamanho
normal, enriquecer a produção de leite, além de prevenir a depressão
pós-parto.
"Tem várias coisas que fazemos para melhorar nossa saúde que não foram
estudadas e provadas pela ciência médica, ainda assim sabemos que
funcionam", diz Laura Curtis, dona da maior empresa voltada para
encapsular placenta em Utah, a PlacentaWise, em Lindon.
Laura aprendeu a encapsular placentas durante um treinamento para se
tornar doula. "Foi estranho para mim e pareceu nojento", ela diz. "Eu
nem encosto em carne. Sou vegana". Mas ela foi convencida por
depoimentos de outras pessoas. "Existe uma demanda por esse serviço e a
necessidade de pessoas que o façam de forma segura", diz Laura, que
segue os protocolos aplicados ao manejo de comida.
Laura fatia a placenta, já cozida, para desidratá-la
em seguida. (Foto: AP Photo/The Salt Lake Tribune,
Francisco Kjolseth)
Nada disso tem base na ciência. Já existiram muitos estudos
observacionais em humanos, datando desde 1900, e estudos com animais: a
maioria dos mamíferos come sua placenta. Mas nunca houve estudos
randomizados. "Tem várias coisas que animais fazem e que humanos não
deveriam fazer", diz Mark Kristal, um psicólogo do programa de
neurociência comportamental da Universidade de Buffalo.
Apesar de a prática ser comum entre os animais, não existem evidências
antropológicas de que a prática existiu entre humanos. "Em qualquer
cultura, quando isso é mencionado, é mencionado como um tabu", diz
Kristal.
Ainda assim, não existem evidências de que a prática faça mal. "Não
vamos contra a prática", diz Bernice, do Hospital Universitário. "Nosso
objetivo é honrar os direitos dos pacientes e fazer a experiência do
nascimento da maneira que eles querem".
Cozido a vapor
Há vários métodos de encapsular placentas. Laura cozinha o órgão no
vapor de 10 a 12 minutos de cada lado. Depois o material é fatiado,
desidratado e transformado em um pó, que é encapsulado.
Todo o local de preparo é limpo e desinfetado. Os pacientes devem
entregar a placenta, mantida em ambiente refrigerado, até 48 horas
depois do parto. Os médicos devem assinar um documento com os resultados
de testes para patógenos, como HIV e hepatite.
Laura encapsula de 18 a 20 placentas por mês. O pacote básico, composto
por um vidro de cápsulas e o cordão umbilical desidratado e moldado no
formato de um coração, custa 200 dólares.
Laura
Curtis é proprietária da maior empresa que encapsula placentas no
estado do Utah. (Foto: AP Photo/The Salt Lake Tribune, Francisco
Kjolseth)